Por José Carlos Palma*
A política portuguesa encontra-se num momento delicado. Com o Partido Social Democrata (PSD) no poder com uma maioria relativa, o futuro do governo depende da aprovação do orçamento, que atualmente enfrenta sérios entraves. Dois pontos de discórdia fundamentais entre o PSD e o Partido Socialista (PS) — a redução do IRC para empresas e o IRS Jovem — têm ameaçado a estabilidade parlamentar. Num cenário onde o orçamento seja chumbado, o país poderá caminhar para eleições antecipadas, o que trará consequências profundas não apenas para os principais partidos, mas para o próprio tecido político e social de Portugal.
A responsabilidade do PSD
Para o PSD, a responsabilidade de garantir a aprovação do orçamento é indiscutível. Governar com uma maioria relativa requer habilidade política e capacidade de negociação, especialmente em tempos de desafios econômicos e sociais. O partido tem promovido uma agenda de alívio fiscal para as empresas, na tentativa de estimular o crescimento e a competitividade econômica, mas encontra resistência por parte do PS, que se opõe tanto à redução do IRC quanto à proposta do IRS Jovem.
A proposta de redução do IRC pode alienar parte do eleitorado, que vê as grandes empresas como beneficiárias dessa medida, em detrimento de políticas que apoiem diretamente a população. Se o PSD não conseguir um consenso, a imagem de um governo incapaz de liderar ou de construir pontes com a oposição será difícil de dissociar. A narrativa de um partido focado em ajudar as empresas enquanto ignora outras necessidades sociais pode ser uma armadilha.
A estratégia do PS: bloqueio ou proteção social?
Do outro lado, o PS enfrenta o desafio de manter a sua base eleitoral sem ser visto como o partido que bloqueia a estabilidade do país. A sua oposição à redução do IRC e ao IRS Jovem reflete uma preocupação com a equidade fiscal e a sustentabilidade das finanças públicas, mas poderá ser interpretada como intransigência. Se o orçamento for chumbado, o PS terá que justificar sua postura não apenas perante os seus eleitores, mas também ao eleitorado em geral, que pode culpá-lo pela instabilidade política.
O PS tem a oportunidade de se apresentar como o defensor dos jovens e das classes trabalhadoras, mas precisa garantir que não será visto como o responsável pela eventual crise. A narrativa que construir agora será fundamental para a sua imagem política no futuro.
Chega: A força disruptiva
Entretanto, o Chega pode encontrar neste impasse político a oportunidade de se consolidar como o partido da insatisfação. Com um discurso antissistema e populista, o partido liderado por André Ventura tem capitalizado o descontentamento de uma parcela da população que se sente desiludida com o sistema político tradicional. Se as eleições forem convocadas, o Chega poderá expandir a sua base, especialmente entre os eleitores que buscam uma ruptura com a política convencional.
No entanto, o Chega corre o risco de ser visto como um partido de obstrução, que prefere o caos à construção de soluções. Se o partido for percebido como parte do problema da instabilidade, poderá sofrer penalizações nas urnas, especialmente entre os eleitores que valorizam a governabilidade.
O impacto das eleições antecipadas
Caso o orçamento seja chumbado e o Presidente da República convoque eleições antecipadas, Portugal enfrentará um período de incerteza. A convocação de novas eleições num momento de desafios econômicos pode trazer instabilidade, o que não seria favorável nem para o país nem para os partidos. A confiança dos mercados internacionais e dos investidores pode ser abalada, o que poderia agravar ainda mais a situação econômica.
Em termos eleitorais, o PSD tem a oportunidade de tentar obter uma maioria absoluta, mas terá que lidar com o desgaste causado pela crise política. O PS, por sua vez, pode tentar transformar a narrativa a seu favor, apresentando-se como a força que defende os interesses sociais, embora enfrente o desafio de justificar a sua oposição ao orçamento. Já o Chega e outros partidos menores, como o Bloco de Esquerda e a Iniciativa Liberal, poderão capitalizar a frustração popular com os grandes partidos, ganhando espaço no parlamento.
Conclusão
O chumbo do orçamento e a convocação de eleições antecipadas trarão custos políticos significativos para todos os partidos. O PSD arrisca-se a perder a confiança dos eleitores se for visto como incapaz de governar com uma maioria relativa. O PS pode ser penalizado por sua intransigência nas negociações, enquanto o Chega pode tanto crescer como partido antissistema quanto alienar eleitores moderados.
Num cenário de crise, a habilidade de cada partido em moldar a narrativa e oferecer soluções concretas será determinante para o seu futuro. O que está em jogo não é apenas o próximo ciclo eleitoral, mas a capacidade de Portugal de navegar por águas políticas e econômicas turbulentas com estabilidade e confiança.
*Especialista em relações internacionais, como política externa, comércio internacional, segurança doméstica, segurança internacional, nações em desenvolvimento, segurança interna, inteligência, consultoria de TI, história mundial, consultoria política e análise militar.