Lula da Silva anuncia candidatura presidencial

O evento aconteceu neste sábado num pavilhão de exposições da zona norte de São Paulo, distante do centro, e foi restrito a quatro mil convidados sentados. Não faltaram apelos para que todos os democratas se unam para derrotar a escalada autoritária do governo Bolsonaro, que também já lançou a sua pré-candidatura à reeleição

O lançamento da pré-candidatura de Lula à presidência nem foi uma festa popular como esperava a militância nem um espetáculo anódino como queriam os seus opositores. Pela legislação brasileira, apenas em agosto, quando será oficialmente candidato, o ex-presidente poderá pedir votos. Isso não quer dizer que tanto o seu discurso como o do vice, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alkmin, não tenha sido de campanha.

O evento aconteceu neste sábado num pavilhão de exposições da zona norte de São Paulo, distante do centro, e foi restrito a quatro mil convidados sentados. Os discursos foram lidos para evitar declarações polémicas, e Alckmin participou apenas por videoconferência, pois testou positivo para a covid na véspera. A aliança dos dois políticos, historicamente adversários, representa um gesto diplomático e estratégico de Lula para atrair votos de setores mais conservadores, descontentes com o governo Bolsonaro, e para acalmar aqueles que ainda o consideram um radical.

Eram nove horas da manhã quando começaram a chegar as caravanas de simpatizantes do PT (Partido dos Trabalhadores), que organizou o evento. Havia movimentos negros, quilombolas, indígenas, trabalhadores sem terra, mulheres do candomblé, padres, monges budistas, feministas e LGTBQA+. Mais tarde chegaram representantes dos sete partidos que compõem o Movimento Vamos Juntos pelo Brasil, que apoiam a candidatura Lula-Alckmin, e que são mais de esquerda. Por isso, não faltaram apelos para que todos os democratas se unam para derrotar a escalada autoritária do governo Bolsonaro, que também já lançou sua pré-candidatura à reeleição, mas ainda não definiu o vice.

Como sempre acontece nesse tipo de evento, o atraso foi de quase duas horas. Os dois candidatos estavam vestidos com sóbria descontração (de blazer, sem gravata) e imprimiram um tom amistoso ao encontro, que ao contrário do ódio vigente, se pautou pelo afeto. Alckmin falou primeiro e agradeceu a Lula por lhe ter estendido a mão para que tivesse o privilégio dessa aliança.

Duas vezes derrotado nas eleições para presidente, adversário de Lula na segunda volta em 2006, Alckmin governou o estado de São Paulo por quatro mandatos pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), ao qual pertence o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e do qual saiu recentemente para se filiar ao PSB (Partido Socialista Brasileiro), com o objetivo de disputar a vice-presidência. Desde sempre é conhecido por suas opções de centro-direita e por ter formação cristã guiada pela Opus Dei, algo que diz ser coisa do passado, mas que fundamenta o viés conservador da sua biografia.

Se no governo paulista se reelegeu graças à fama de administrador competente, é conhecido pela falta de carisma, o que lhe valeu o apelido de “Picolé de Xuxu”. Pela primeira vez, no entanto, usou o próprio apelido para dizer, num tom de humor, que o prato “lula com xuxu” será o novo hit da culinária brasileira, onde o camarão refogado com xuxu é um clássico nacional. Por outro lado, o discurso de Alckmin era dirigido para arrancar aplausos da plateia de militantes do PT, enquanto Lula, apesar de ler, falou para seu séquito de admiradores.

Lula tem sido o assunto nacional desde que estampou a capa da revista norte-americana “Time”, esta semana. Na entrevista fez críticas a Zelensky, o igualando a Putin, que não foram bem recebidas nem consideradas oportunas para a sua campanha. Principalmente, porque Bolsonaro, o seu maior opositor na corrida presidencial, é aliado de Putin. Portanto, havia uma preocupação em evitar desgastes e em não fornecer novas munições para o inimigo, daí a escolha por um discurso que demorou vários dias para ser escrito. Mesmo assim, como Lula é sempre Lula, improvisou na abertura e no encerramento da fala.

Embora o tema dominante fosse a política não faltaram comentários amorosos, como o anúncio feito pelo ex-presidente de que vai se casar ainda neste mês com a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, que esteve ao seu lado durante toda a cerimónia. Entre outras coisas, Lula falou em perdão aos inimigos ao dizer que não consegue odiar nem aqueles que o odeiam.

No ano em que o Brasil comemora o bicentenário da Independência, a prioridade, disse, é escolher o país que queremos construir. Uma nação soberana, com uma economia forte ou um país em processo de desindustrialização, que destrói as suas riquezas naturais e vê a cultura como inimiga? “Precisamos de música, de cinema, de livros em vez de armas.”

Do seu ponto de vista, urge unir todos os democratas de todas as origens e trajetórias políticas para mandar o fascismo “de volta ao esgoto da história de onde nunca deveria ter saído, para reconquistar a democracia e a soberania numa grande revolução pacífica”.

A ex-presidente Dilma Rousseff estava presente no palco e ele prestou-lhe uma homenagem carinhosa ao mesmo tempo em que deu um recado subtil para acalmar inquietações. Anunciou que ela não será sua ministra: “Imagina nomear a Dilma ministra: ela tem o mérito de ter sido a primeira mulher presidenta deste país!”

Além do hino nacional, cantado com voz e violão no início da cerimónia, a bandeira do Brasil emoldurou o fundo do palco. Não havia bandeiras vermelhas. Foi, claramente, a primeira tentativa de resgatar a bandeira como símbolo de união nacional depois que passou a ser utilizada pela direita para pedir o impedimento de Rousseff e, posteriormente, pelas hordas violentas de bolsonaristas.

Mais do que um ato político, o evento foi uma conclamação à união nacional, uma exortação à defesa da democracia e da constituição. Nesse sentido, pode-se dizer, que embora aliados de última hora, Lula e Alckmin se saíram muito bem. Lula porque tem o dom da oratória e da conciliação e o ex-governador porque falou com humildade ao defender a união de divergentes e a necessidade de deixar para trás as feridas do passado.

Fonte: Com Agências

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